Gente Tem Sobrenome
Toquinho
Todas as coisas têm nome
Casa, janela e jardim
Coisas não têm sobrenome
Mas a gente sim
Todas as flores têm nome
Rosa, camélia e jasmim
Flores não têm sobrenome
Mas a gente sim
O Chico é Buarque, Caetano é Veloso
O Ari foi Barroso também
E tem os que são Jorge, tem o Jorge Amado
Tem outro que é o Jorge Ben
Quem tem apelido, Dedé, Zacarias
Mussum e a Fafá de Belém
Tem sempre um nome e depois do nome
Tem sobrenome também
Todo brinquedo tem nome
Bola, boneca e patins
Brinquedos não têm sobrenome
Mas a gente sim
Coisas gostosas têm nome
Bolo, mingau e pudim
Doces não têm sobrenome
Mas a gente sim
Renato é Aragão, o que faz confusão
Carlitos é o Charles Chaplin
E tem o Vinícius, que era de Moraes
E o Tom Brasileiro é Jobim
Quem tem apelido, Zico, Maguila
Xuxa, Pelé e He-man
Tem sempre um nome e depois do nome
Tem sobrenome também
MARCELO, MARMELO, MARTELO.
Marcelo vivia fazendo perguntas a todo mundo:
- Papai, por que é que a chuva?
-Mamãe, por que é que o mar não derrama?
- Vovó, por que é que o cachorro tem quatro pernas?
As pessoas grandes às vezes respondiam. Às vezes, não sabiam como
responder.
-Ah, Marcelo, sei lá...
Uma vez, Marcelo cismou com o nome das coisas:
- Mamãe, por que é que eu me chamo Marcelo?
- Ora, Marcelo foi o nome que eu e seu pai escolhemos.
- E por que é que não escolheram martelo?
-Ah, meu filho, martelo não é nome de gente! É nome de ferramenta...
- Por que é que não escolheram marmelo?
- Porque marmelo é nome de fruta, menino!
- E a fruta não podia chamar Marcelo, e eu chamar marmelo?
No dia seguinte, lá vinha ele outra vez:
- Papai, por que é que mesa chama mesa?
- Ah, Marcelo, vem do latim.
- Puxa, papai, do latim? E latim é língua de cachorro?
- Não, Marcelo, latim é uma língua muito antiga.
- E por que é que esse tal de latim não botou na mesa nome de cadeira,
na cadeira nome de parede, e na parede nome de bacalhau?
-Ai, meu Deus, este menino me deixa louco!
Daí a alguns dias, Marcelo estava jogando futebol com o pai:
-Sabe, papai, eu acho que o tal de latim botou nome errado nas coisas.
Por exemplo, por que é que bola chama bola?
- Não sei, Marcelo, acho que bola lembra uma coisa redonda, não lembra?
-Lembra, sim, mas ... e bolo?
- Bolo também é redondo, não é?
- Ah, essa não! Mamãe vive fazendo bolo quadrado...
O pai de Marcelo ficou atrapalhado.
E Marcelo continuou pensando:
“Pois é, esta tudo errado! Bola é bola, porque é redonda. Mas bolo nem
sempre é redondo. E por que será que a bola não é a mulher do bolo? E bule? E
belo? E Bala? Eu acho que as coisas deviam ter o nome mais apropriado. Cadeira,
por exemplo. Devia chamar sentador, não cadeira, que não quer dizer nada. E
travesseiro? Devia chamar cabeceiro, lógico! Também, agora, eu só vou falar
assim”.
Logo de manhã, Marcelo começou a falar sua nova língua:
- Mamãe, quer me passar o mexedor?
- Mexedor? Que é isso?
- Mexedorzinho, de mexer café.
- Ah, colherinha, você quer dizer.
- Papai, me dá o suco de vaca?
- Que é isso menino?
- Suco de vaca, ora! Que está no suco-da-vaqueira.
- Isso é leite, Marcelo. Quem é que entende este menino
O pai de Marcelo resolveu conversar com ele:
- Marcelo, todas as coisas têm um nome. E todo mundo tem que chamar pelo
mesmo nome porque, senão, ninguém se entende...
- Não acho, papai. Por que é que eu não posso inventar o nome das
coisas?
- Deixe de bobagens, menino! Que coisa mais feia!
- Esta vendo como você entendeu, papai? Como é que você sabe que eu
disse um nome feio?
O pai de Marcelo suspirou:
- Vá brincar, filho, tenho muito que fazer...
Mas Marcelo continuava não entendendo a história dos nomes. E resolveu
continuar a falar, à sua moda. Chegava em casa e dizia:
- Bom solário pra todos...
O pai e a mãe de Marcelo se olhavam e não diziam nada. E Marcelo
continuava inventando:
Sabem o que eu vi na rua? Um puxadeiro puxando uma carregadeira. Depois,
o puxadeiro fugiu e o possuidor ficou danado.
A mãe de Marcelo já estava ficando preocupada. Conversou com o pai:
- Sabe, João, eu estou muito preocupada com o Marcelo, com essa mania de
inventar nomes para as coisas... Já pensou, quando começarem as aulas? Esse
menino vai dar trabalho...
- Que nada, Laura! Isso é uma fase que passa. Coisa de criança...
Mas estava custando a passar...
Quando vinham visitas, era um caso sério. Marcelo só cumprimentava
dizendo:
- Bom solário, bom lunário... – que era como ele chamava o dia e a
noite.
E os pais de Marcelo morriam de vergonha das visitas.
Até que um dia...
O cachorro do Marcelo, o Godofredo, tinha uma linda casinha de madeira
que
Seu João tinha feito para ele. E Marcelo só chamava a casinha de moradeira, e o
cachorro de Latildo.
E aconteceu que a casa do Godofredo pegou fogo. Alguém jogou uma ponta
de cigarro pela grade, e foi aquele desastre!
Marcelo entrou em casa correndo.
- Papai, papai, embrasou a moradeira do Latildo!
O quê, menino? Não estou entendendo nada!
- A moradeira, papai, embrasou...
- Eu não sei o que é isso, Marcelo. Fala, direito!
- Embrasou tudo, papai, está uma branqueira danada!
Seu João percebia a aflição do filho, mas não entendia nada...
Quando seu João chegou a entender do que Marcelo estava falando, já era
tarde.
A casinha estava toda queimada. Era um montão de brasas.
O Godofredo gania baixinho...
E Marcelo, desapontadíssimo, disse para o pai:
- Gente grande não entende nada, mesmo!
Então a mãe do Marcelo olhou pro pai do Marcelo.
E o pai do Marcelo olho pra mãe do Marcelo.
E o pai do Marcelo falou:
- Não fique triste, meu filho. A gente faz uma moradeira nova pro
Latildo.
E a mãe do Marcelo disse:
É sim! Toda branquinha, com a entradeira na frente e um cobridor bem
vermelhinho...
E agora, naquela família, todo mundo se entende muito bem.
O pai e a mãe do Marcelo não aprenderam a falar como ele, mas fazem
força pra entender o que ele fala.
E nem estão se incomodando com o que as visitas pensam...
ROCHA, Ruth. Marcelo, marmelo, martelo e
outras histórias. Rio de Janeiro: Salamandra consultoria Editorial S.A,
1976.